quinta-feira, 24 de março de 2011

FOGO CORREDOR




Das muitas lendas que correm por esse sertão a fora, essa é uma das minhas preferidas. Lembro quando na minha infância, eu, minhas irmãs e meus muitos primos que nem dá pra contar nos dedos, ficávamos sentados na calçada da casa da minha avó, à noite, quando a energia elétrica ainda nem havia chegado por lá, pra ouvir as histórias que meu avô contava.
Meu avô sentava-se na sua cadeira de balanço, recostado na sua almofada e começava a falar de coisas que a nós, pareciam tão reais, tão assustadoras e ao mesmo tempo tão fascinantes; lembro-me que certo dia, enquanto estávamos todos deitados na calçada, olhando o céu estrelado e falando as besteiras que toda criança fala, meu avô, do alto do seu conhecimento e idade, pois já devia ter mais de 60 na época (avô sempre tem mais de 60) proferiu as seguintes palavras:
“Hoje o céu tá como naqueles dias em que aparecia o fogo corredor”
Na mesma hora o silêncio reinou entre os moleques e a curiosidade acompanhada do medo, tomou conta de todos nós. Todos nós queríamos saber o que era esse tal de “fogo corredor”.
Meu avô disse que nos tempos em que não existiam carros, energia elétrica e nem mesmo os lampiões haviam chegado aos remotos recantos do sertão pernambucano, as pessoas, sem TV ou qualquer outra coisa que lhes distraísse a noite, sentavam-se sempre nos terreiros e calçadas pra lorotar e jogar conversa fora; fumar um cigarro de palha, planejar o plantio, a colheita ou a broca (queima do roçado)... As crianças brincavam de roda e as mulheres cantarolavam modas e preparavam a janta. Enquanto a prosa rolava entre os senhores, sempre tinha aquela pausa, aquele diálogo monossilábico, em que todos olhavam pro infinito e um ou outro falava:
Éeeee!!
Outro:
Ai ai!
Outro:
Hum rum!!
E assim a conversa seguia, sem grandes novidades, vez ou outra uma cuspida, que não sei como, voava a uns 10 metros de distância, uma temperada na garganta, uma batucada com os dedos (matuto adora isso). E eis q em meio a tanto sossego, surgia no céu, meio que de repente, uma bola de fogo, um clarão que corria o céu e que não era possível identificar do que se tratava, de onde surgira e pra onde iria. A conversa parava, os meninos corriam pras saias das mães e todo mundo ficava estático observando aquele estranho fenômeno, que da mesma forma que surgia, desaparecia, por entre os galhos dos altos pés de aveloz... Sumia como se nada tivesse acontecido.
E tudo voltava ao que era antes... Afinal, no sertão, nada é fora do comum e tudo é história!!!