segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ismola Pra São José

           
Tem certas coisa, Seu Môço, 
Que eu não gosto muito não. 
Pur inzêmplo: 
Ôvi contá história de operação, 
De arracamento de dente, 
Ôvi história de briga... 
Eu posso inté escuitá, 
Mai me dá uma fadiga! 

E ôta coisa, Seu Môço, 
Que, de bom gosto, eu nun faço: 
É dá ismola a quem pede, 
Cum Santo dibaxo do braço! 
Pruquê eu acho que o Santo 
Nun tem muita precisão. 
Afinár, eu nunca vi 
Um Santo comê feijão! 

Mais, pru má dos meus pecado, 
Ou, pru minha pouca fé, 
Tudo dia, lá em casa, 
Passa um veínho, andano a pé. 
Pru sinal, muito filiz, 
Cantarolano, e tal, 
Chega na minha porta, 
Bate palma e diz: 
- Ismola pa São Jusé!... 

O diabo da muié, 
Que é muito curvitêra, 
- Eu nunca vi uma muié, 
Qui nun fosse rezadêra! - 
Adiquére um tanto quanto, 
Corre e vai dá lá pro Santo. 
Qué dizê, pro santo, 
Pro véio fazê a fera! 

De manhã, logo cedin, 
Eu vou tomá meu café, 
Quando dô fé, ó o grito: 
-- Ismola pa São Jusé!... 
-- Ôooo!... 
Mais isso foi me encheno o saco, 
Mais me encheno pru dimais! 
Um dia, cheguei em casa, 
Cum a barguía da carça virada pa tráis, 

Sentei num tôco de pau, 
Tumei uma de rapé, 
Quando, de repente, ouvi o grito: 
--Ismola pa São Jusé!... 
Pra móde dá a ismola, 
A muié se arremecheu. 
Eu fui e gritei: -- Num vá não! Dêxa! 
Hoje, quem vai dá essa esmola sô eu! 

Quando eu cheguei na porta, 
O velho teve um espanto. 
Eu fui e disse: 
-- Vá trabaiá, vagabundo! 
Qui eu num dô ismola pra santo! 
Troque o santo numa enxada! 
Dêxa de ser preguiçoso! 
Santo num carece de esmola, rapaiz, 
Dêxa de ser... mintiroso!... 

O véio me oiô, e me disse: 
-- Que São José te perdoe! 
E, se Deus tivé te ouvino, 
Que Ele te abençoe! 
E que cubra tua casa de Paiz, Amô, 
União, Sussêgo, Prosperidade, 
Confôrto e Cumpriensão! 
E, se um dia o sinhô pricisá 
desse veinho, 
Ele não mora tão perto, 
Mai eu lhe insino o caminho: 

Mora no sítio Cauã, 
Onde já viveu meu pai, 
À direita de quem vem, 
À esquerda de quem vai! 
E, se um dia o sinhô passá 
Pur ali, com pricisão, 
De fome o sinhô num morre, 
Tomém num drome no chão! 

Quando o Véio disse aquilo, 
Eu senti, naquele instante, 
Como seu eu fosse uma... 
Uma frumiga, 
Sob os pé de dum elefante!... 
Fiquei com as perna tremeno! 
Digo e num peço segrêdo: 
Óia, aquele véio me deu ma surra, 
Sem me tocá com um dedo!... 

Eu, com tanta ignorança! 
Ele, tanta mansidão! 
Fêiz eu pagá muito caro, 
Minha farta de cumpriensão! 

Então, naquele momento, 
Eu gritei pra Salomé, 
Mandei trazê, pro Veinho, 
Uma boa xícara de café, 
E fui, correno, contá meu dinheiro: 
Tinha somento um cruzêro! 
Dei tudin pra São José!!! 





  Autor: Zé Laurentino